domingo, 4 de novembro de 2007

África: 2

Não poucas vezes ouvi dizer que África tem um cheiro especial, um sentimento diferente. O sentimento é imediato, no momento em que se sai do avião. O cheiro comecei a sentir quando saí do aeroporto. Um odor doce parece circular no ar. Um cheiro a erva ou mato, um cheiro a calor, um cheiro diferente. Um cheiro que só depois percebi ser do repelente que eu tinha espalhado, besuntado, pelo corpo logo depois de aterrar. Realidade ingrata que me matou a beleza da ficção.


Era manhã cedo, eu tinha acabado de aterrar em Nairobi, a capital do Quénia. Sozinho, saí do aeroporto onde uma multidão de carregadores e ajudadores me esperava, quase em furia. Furei por entre as centenas de mãos prontas para uma ajuda. Mão pretas. Senti-me então, pela primeira vez, completamente fora do meu país. Na Europa sinto-me como em Portugal (excepção feita a Génova). A Europa é um Portugal maior. 

Quando cheguei cá fora já as minhas roupas estavam coladas ao corpo. O calor e a humidade abriram todos os meus poros. O céu encoberto era um preludio das tempestades que tinham atingido o país nas semanas anteriores e que provocaram estragos e vitimas. Muitas estradas estavam ainda alagadas, e por isso e tinha de apanhar um outro avião para chegar aquele que era o meu destino: Mombasa, a cidade mais portuguesa do Quénia. 

Esta viagem era feita de uma pequena gare logo ao lado da gare maior onde eu desembarquei. Fica desde já a mensagem: estas são paragens a evitar por quem tem alguma espécie de receio em viajar de avião ou, simplesmente, é facilmente susceptível. Ainda antes de entrar no avião, o primeiro pequeno choque é quando se  chega aos aeroportos, mas sobre isso falarei em outro post.

Após ter feito o check-in das bagagens sobravam-me mais de 2 horas de espera. Fui então para um pequeno bar reconfortar o estômago da comida ensacada do avião, dos ingredientes sem nome. E fique sentado quase duas horas aí. A ler Mia Couto imaginando como seria o Moçambique que eu iria encontrar daí a uma semana. Olhando e percebendo como é que a vida de alguém pode ser tão diferente da minha. 


Entre Nairobi e Mombasa passei junto ao monte Kilimanjaro. No meio das nuvens uma imponente montanha ergue-se como nada que eu alguma vez tinha visto. Essa é uma das imagens mais fortes da minha vida. 



África: 1

Os relatos e imagens que irei colocar durante os próximos dias, semanas, serão sobre África. Já andava a ameaçar, prometer, faz muito tempo. Não foi para criar suspense, foi porque foi faltando o tempo, e porque o exercício é difícil. 

Algumas coisas eu escrevi ainda lá, mas, com o tempo, a minha viagem a África vai voltando cada vez para mais próximo, ganha uma nova saudade. Difícil de explicar, foi uma viagem a países tão diferentes, e únicos, algo fica sempre por lá.

Daqui por dois dias vou para Barcelona, férias finalmente, e estive a marcar as dormidas numa guesthouse que me pareceu muito simpática. Já estava deitado quando, a pensar na guesthouse, me lembrava da fantástica guesthouse do Zico na Ilha de Moçambique. Zico é um português que se cansou de viver cá, neste mundo, e se mudou para a Ilha de Moçambique. Só quem conhece a Ilha é que pode perceber a dimensão da mudança. 

A guesthouse do Zico era linda e confortável. Uma pequena casa com três ou quatro quartos, belissimamente decorados. Um pequeno jardim cheio de bom gosto. Uma cozinha. Tudo encantador, mas tudo muito simples. Numa rua estreita e sombria, rodeada por casa em ruínas, a paisagem do terraço era toda a ilha. Eu estava hospedados num pequeno hotel, à dimensão da ilha, e amaldiçoei o facto de me ir embora sem passar ali uma noite. 

Como diria o poeta, um qualquer porque isto fica sempre bem, “é na distancia que relembro”.