quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Um novo blog

Queria anunciar aos fieis leitores deste blog (são dois: a Marta, minha namorada, e o Alfredo, um dos meus amigos imaginários) que passam a vida a queixar-se que ele sofre menos actualizações que os modelos da Opel, que tenho, a partir de hoje, um outro blog que também só muito raramente me darei ao trabalho de actualizar, ainda que prometa fazer um pequeno esforço para melhorar esta situação. Chama-se: atirar a pedra e fugir, e vai ser isso mesmo, um local onde eu atiro pedras e depois desapareço, um exercício que os meus amigos mais chegados sabem que eu sempre, alegremente, cultivei. 

É um blog que não tem nada a ver com este, aliás, não tem nada que ver com nada, e talvez então por isso tenha mesmo algo que ver com este. Já não sei, ate eu fiquei confuso. 

Fica o endereço: http://tocaracampainhaefugir.blogspot.com/

sábado, 1 de dezembro de 2007

Mombassa - Introdução

Foi a minha boca quem primeiro começou a conhecer o Kenya. Quando cheguei a Mombassa já a hora de almoço tinha passado há muito tempo, e a fome era mais do que alguma. Depois de deixar tudo no hotel, corri para um restaurante, o que me pareceu ter melhor aspecto pois fui com a ideia fixa de fintar as diarreias, e comi. É uma das coisas que eu mais gosto quando viajo: comer. Sentir o sabor de novos ingredientes e alimentos, novas formas de cozinhar que são, no fundo, a forma de um qualquer povo viver. Existem poucas coisas mais ligadas a um país, ou zona, do que a comida. Come-se o que por lá sempre existiu, e em África os alimentos ainda não chegam pela televisão, e só existe um sabor igual em todo o mundo: a Coca-cola. A Fanta e a Sprite. 


A imagem que guardo de Mombassa é de uma cidade excessivamente quente e húmida. Um céu carregado de nuvens, de onde a chuva cai frequentemente em momentos de puro prazer para quem caminha na rua e sente o corpo um pouco mais fresco quando mesmo a chuva é quente. 

Mombassa são as crianças perdidas pela rua durante o dia e pela rua que é casa durante a noite. Que nos seguem e nos puxam com a mão em forma de concha. São mulheres que puxam também, e riem num sorriso que parece branco no escuro da noite e da pele. Uma bicicleta que passa a correr e os tuc-tuc difíceis de encontrar. O medo de encontrar alguém e o medo de encontrar uma faca.

Vendedores de frutas com bancadas de madeira carregadas de cor e sumo em pacote natural. Mulheres de turbante e homens que olham curiosos pelo medo e pela esperança.

Carrinhas lotadas que recolhem passageiros a cada paragem que efectuam. Um movimento continuo e confuso onde a ordem parece nunca existir. 

Depois vem a noite e tudo é negro.







domingo, 4 de novembro de 2007

África: 2

Não poucas vezes ouvi dizer que África tem um cheiro especial, um sentimento diferente. O sentimento é imediato, no momento em que se sai do avião. O cheiro comecei a sentir quando saí do aeroporto. Um odor doce parece circular no ar. Um cheiro a erva ou mato, um cheiro a calor, um cheiro diferente. Um cheiro que só depois percebi ser do repelente que eu tinha espalhado, besuntado, pelo corpo logo depois de aterrar. Realidade ingrata que me matou a beleza da ficção.


Era manhã cedo, eu tinha acabado de aterrar em Nairobi, a capital do Quénia. Sozinho, saí do aeroporto onde uma multidão de carregadores e ajudadores me esperava, quase em furia. Furei por entre as centenas de mãos prontas para uma ajuda. Mão pretas. Senti-me então, pela primeira vez, completamente fora do meu país. Na Europa sinto-me como em Portugal (excepção feita a Génova). A Europa é um Portugal maior. 

Quando cheguei cá fora já as minhas roupas estavam coladas ao corpo. O calor e a humidade abriram todos os meus poros. O céu encoberto era um preludio das tempestades que tinham atingido o país nas semanas anteriores e que provocaram estragos e vitimas. Muitas estradas estavam ainda alagadas, e por isso e tinha de apanhar um outro avião para chegar aquele que era o meu destino: Mombasa, a cidade mais portuguesa do Quénia. 

Esta viagem era feita de uma pequena gare logo ao lado da gare maior onde eu desembarquei. Fica desde já a mensagem: estas são paragens a evitar por quem tem alguma espécie de receio em viajar de avião ou, simplesmente, é facilmente susceptível. Ainda antes de entrar no avião, o primeiro pequeno choque é quando se  chega aos aeroportos, mas sobre isso falarei em outro post.

Após ter feito o check-in das bagagens sobravam-me mais de 2 horas de espera. Fui então para um pequeno bar reconfortar o estômago da comida ensacada do avião, dos ingredientes sem nome. E fique sentado quase duas horas aí. A ler Mia Couto imaginando como seria o Moçambique que eu iria encontrar daí a uma semana. Olhando e percebendo como é que a vida de alguém pode ser tão diferente da minha. 


Entre Nairobi e Mombasa passei junto ao monte Kilimanjaro. No meio das nuvens uma imponente montanha ergue-se como nada que eu alguma vez tinha visto. Essa é uma das imagens mais fortes da minha vida. 



África: 1

Os relatos e imagens que irei colocar durante os próximos dias, semanas, serão sobre África. Já andava a ameaçar, prometer, faz muito tempo. Não foi para criar suspense, foi porque foi faltando o tempo, e porque o exercício é difícil. 

Algumas coisas eu escrevi ainda lá, mas, com o tempo, a minha viagem a África vai voltando cada vez para mais próximo, ganha uma nova saudade. Difícil de explicar, foi uma viagem a países tão diferentes, e únicos, algo fica sempre por lá.

Daqui por dois dias vou para Barcelona, férias finalmente, e estive a marcar as dormidas numa guesthouse que me pareceu muito simpática. Já estava deitado quando, a pensar na guesthouse, me lembrava da fantástica guesthouse do Zico na Ilha de Moçambique. Zico é um português que se cansou de viver cá, neste mundo, e se mudou para a Ilha de Moçambique. Só quem conhece a Ilha é que pode perceber a dimensão da mudança. 

A guesthouse do Zico era linda e confortável. Uma pequena casa com três ou quatro quartos, belissimamente decorados. Um pequeno jardim cheio de bom gosto. Uma cozinha. Tudo encantador, mas tudo muito simples. Numa rua estreita e sombria, rodeada por casa em ruínas, a paisagem do terraço era toda a ilha. Eu estava hospedados num pequeno hotel, à dimensão da ilha, e amaldiçoei o facto de me ir embora sem passar ali uma noite. 

Como diria o poeta, um qualquer porque isto fica sempre bem, “é na distancia que relembro”. 

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

O barco fantasma

Isto nem é bem um post, é que eu encontrei umas fotos de que me tinha esquecido por completo, e acho que vale mesmo mostra-las. 

É um barco naufragado no meio da viagem, no meio do gelo e do nada. Uma imagem por demais surreal e assustadora. É só imaginar o que é andar dois dias de barco sem ver uma alma viva para alem dele, e depois, do nada, ver surgir, muito ao longe, alguma coisa que vem na nossa direcção, e depois cruzar com o que se pode ver nas fotografias....

Claro que existem imensas histórias e superstições em volta do barco fantasma, assim ouvi alguém chamar-lhe. Eu de supersticioso tenho zero, mas lá que foi uma visão surreal e assustadora, isso de certeza!





terça-feira, 9 de outubro de 2007

Puerto Eden

Quando, a bordo do Puerto Eden, saí de Puerto Montt, estava a cair a noite. Já depois de estar escuro, ainda pude ver algumas luzes de casas nas margens do canal em que navegávamos. Depois de jantar voltei a sair para a coberta mas já só vi escuro, a mais profunda penumbra de uma noite sem luar. Sem casa nem ruas, apenas o escuro completo que indicava a ausência de pessoas ou povoações. E assim foi durante os dois seguintes dias de viagem. Ao longo de mais de 1000 km, muitas vezes com terra de um lado e do outro do barco, não se viu uma única casa, uma rua, um sinal de civilização. Nada. Só altas montanhas, neve e gelo. Um deserto frio. Eu pensava que o barco iria directo até Puerto Natales, só a conversar com a mãe da minha simpática amiga Bi é que eu percebi que não, o barco iria parar, um dia antes de todos desembarcarmos, numa pequena povoação isolada de quase tudo: Puerto Eden, o nome do barco.

A mais de um dia de viagem de Puerto Natales, a povoação mais próxima, Puerto Eden é visitada uma vez por semana pelo barco em que eu viajei, o único barco local a atravessar aquelas paragens, para alem dele só um ou outro cargueiro. Por isso no porão do Porto Eden viajava um pouco de tudo. Quando nos aproximamos da povoação subi, como toda a gente, para poder ver bem a pequena aldeia com cerca de 150 habitantes, literalmente plantada nas margens daquelas águas geladas. Quando o barco parou, vimos uma série de pequenos barcos e botes que depressa se dirigiram para nós. Não consegui conter a curiosidade e fui para uma zona que me estava proibida, a zona em que descarregaram a mercadoria destinada a Puerto Eden, e por onde saíram também as duas únicas passageiras com este destino. Havia de tudo: caixas grandes e pequenas, muitos bidões com combustível, madeiras e outros materiais, fruta e vegetais, muitos, e caixotes que não consigo sequer imaginar o que continham. Disseram-me que em outras alturas do ano o barco também transporta animais vivos para Puerto Eden.

Foi aí que registei também uma das imagens mais ternas de toda esta viagem, no momento em que a Bi e a mãe chegaram a essa zona e a Bi, muito antes de abraçar o pai, corre, numa alegria difícil de descrever, para abraçar o irmão, um pouco mais velho do que ela. Não se viam à duas semanas, desde que a Bi e a mãe se viram obrigadas a deslocar a Puerto Montt para tratar de um assunto qualquer. Fiquei com a sensação que qualquer que fosse o assunto elas teriam sempre de lá ir. O pai da Bi está destacado pela policia em Puerto Eden, e a família teve de o seguir. Fiquei com a sensação que qualquer assunto é um bom assunto para uma pequena ausência. Para um sitio onde seja possível correr...

Após a descarga de tudo, embarcaram três ou quatro passageiros com destino a Puerto Natales. A Bi foi para terra num pequeno bote e tão entretida estava com o irmão que nem olhou para trás para me dizer adeus. Ainda bem. Era quase noite e na manhã seguinte a viagem acabou em Puerto Natales.











terça-feira, 2 de outubro de 2007

Cá pela terra

Pois, como é fácil de imaginar pela ausencia de novos posts, já estou por casa, mais do que isso, estou em casa, e sem planos para viagens próximas. A próxima será apenas em Novembro, ainda não sei como vou aguentar tanto tempo por cá, quando irei alguns dias para Barcelona com a Marta. Finalmente uma viagem juntos.
E pronto, isto é o mesmo que dizer que por agora vou ficar por aqui quietinho, o que faz todo o sentido: passei toda a primavera e verão por fora, agora que chega o Outono e as chuvas, eu vou ficar quietinho por cá. Aliás, estava eu na Patagónia com temperaturas negativas, e sabia que por cá fazia um calor que não se podia estar senão na praia e dentro de água!!! Ok, talvez seja exagero, mas estava quente, muito quente, enquanto eu andava com o lenço no nariz e o corpo coberto por 7 camadas e meia de roupa. 
Mas daqui até Novembro vou postar as viagens que ainda estão na gaveta, e que há muito tempo eu quero colocar on-line. Quando acabar a remodelação do nosso escritório, que desde que mudamos de casa  nunca chegou de facto a existir, vou postar as imagens das Filipinas e África, principalmente da Ilha de Moçambique, o local onde estive que mais me marcou. Por isso espero que arrumemos o escritório bem depressa. para que depois de muitos pregos e parafusos, e um emaranhado imenso de cabos, imagino que no céu todos os periféricos sejam wireless, também eu possa ver as fotografias que ainda não vi, tal tem sido o ritmo nos últimos meses. 
E só para acabar deixo aqui uma fotografia que me lembra muitas saudades, da minha amiga Bi, que fez comigo a viagem no Puerto Eden. A Bi mora na pequena aldeia que dá nome ao barco em que viajei, uma aldeia com cerca de 150 pessoas e isolada de todo o mundo. Para lá chegar só de barco, e é mais de um dia de viagem desde a cidade mais próxima.
São muitas as histórias bonitas que ficaram ainda por contar desta viagem pela Patagónia. Ver a alegria nos olhos de uma miúda tão querida no momento em que viu o irmão com quem não estava há duas semanas é um momento difícil de partilhar. Perceber a vida de uma aldeia tão isolada... Bem, acho que tenho assunto para um outro post e devo ter algumas fotografias também, o melhor é tratar disso. Começo a gostar de recordar.
N.B. - As marcas vermelhas na minha testa são queimaduras provocadas pelo frio. Com um vento gelado eu não resisti a ir para a coberta fazer algumas imagens que que não podia perder.... Valeu a pena ;)


sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Montevideo, Uruguai: o meu "até já" América Latina


Acho a ignorância, carência de conhecimento, um defeito por demais evidente e decadente para com os indivíduos que com ela, a ignorância, trilham estreita relação. Mas penso que ainda mais impeditivo que a ignorância é a ausência no individuo de mecanismos cognitivos que, funcionando por relação e co-relação psico-física, originem o raciocínio. Vejo na falta de raciocínio a mais incapacitante deficiência passível de limitar um ser humano.
E este lógico raciocínio leva-me até mim. A minha história começa na inicio desta viagem, nas primeiras horas da minha nobre carcaça por terras latino-americanas.
Após a viagem de barco entre Puerto Montt e Puerto Natales, viagem durante a qual nada de relevante para esta narrativa aconteceu, tive o meu primeiro jantar sozinho na pequena cidade onde o barco aportou. Lembro-me que ao chegar ao Hotel, mochila às costas, reparei num restaurante a apenas vinte passos do mesmo, e como sou particularmente rápido a associar estes dois primordiais factores, comida e preguiça, tracei logo o meu destino para a nocturna refeição . Sai do hotel passavam já das nove da noite, preocupado com a hora e com, numa cidade tão pacata e pequena, não ter já o restaurante aberto para me servir. Quando cheguei ao restaurante qual não é o meu espanto quando percebo que o mesmo está completamente vazio. De pé, dois funcionários de bandeja na mão olham para mim com uma cara algures entre o este é o gajo que nos vai estragar a noite e o este é o gajo a quem vamos estragar a noite! Pelo sim pelo não, como não gosto de estragar a noite a ninguém, fiz de conta que andava à procura de uma lavandaria e, sem sequer abrir a boca, girei sobre os calcanhares de maneira que deixei borracha no chão e desandei dali para fora. Segui pela rua e o mesmo cenário repetia-se: restaurantes vazios, ninguém, nem uma alma.
Já estava a ficar preocupado, não por dar trabalho aos pobres funcionários que estavam naquela noite a curar problemas da coluna, mas sim porque não gosto de restaurantes vazios: se não está lá ninguém é, seguramente, porque a comida não presta. Andava eu nisto quando chego a um restaurante onde vejo, através do vidro, duas mesas ocupadas: uma com duas pessoas e outra com uma apenas. Escusado será dizer que nem olhei para ao menu antes de entrar: sentei-me e escolhi em dois tempos, comi e voltei para o hotel a pensar no preocupante despovoamento daquela cidade.
De Puerto Natales fui para Punta Arenas, também no Chile.
Em Punta Arenas o cenário repetiu-se: saía para jantar e os restaurantes vazios. No entanto, e com o passar dos dias, comecei a perceber uma coisa: na hora em que eu já estava a sair eles começavam a encher. E então comecei a formular, pelos mecanismos que já expliquei, aquilo que se pode chamar de raciocínio. Mas este raciocínio, demorou algum tempo a completar. Ficou completo em Rio Gallegos, na Argentina, vários dias depois. Nessa noite, cheguei ao hotel muito tarde depois de algumas horas de viagem pelos desertos da Patagónia Argentina. Quando saí do hotel para jantar passavam já das 22h. Nessa noite, finalmente, encontrei um restaurante com uma boa massa humana (com uma piada destas eu podia acabar o post aqui e sentir-me feliz). Entrei encantado, ainda a pensar que por ali se devia comer melhor que nos restaurantes anteriores. Foi só quando sai do restaurante, passavam já das 23h30, que reparei que ele estava agora cheio, e havia inclusive fila para entrar. Passava das 23h30!!! Eu nunca tinha visto tal. Mas então consegui, a muito custo, completar o meu raciocínio: os restaurantes estavam vazios quando era cedo porque as pessoas jantam tarde. Era essa a explicação. Se as pessoas só começam a jantar por volta das 22h, é lógico que os restaurantes às 21h estão vazios. É lógico mas foi muito difícil de alcançar. No final das contas, muito semelhante ao que acontece em Espanha, e eu estou na América Latina.
Quem chegou até aqui, e leu o titulo do post, já se deve estar a perguntar o que raio tem tudo isto a ver com Montevideo. E a resposta é: tudo!
Estou em Montevideo, cheguei ontem de Buenos Aires, e esta é a minha última noite por estas paragens, amanha de manha vou entrar no avião que me vai levar de novo a casa (por acaso vai levar-me para Madrid e depois um outro leva-me para o Porto, quem me vai levar para casa vai ser a Marta, com toda a certeza).
Ontem cheguei à cidade demasiado tarde. Vim directo para o Hotel e pedi para que me servissem uma salada no quarto, o que eu queria mesmo era dormir. Mas hoje, tive um dia particularmente feliz. Montevideo é uma cidade agradável e a temperatura aqui é bem melhor do que na Patagónia, até dá para andar na rua sem congelar o nariz.
Fui jantar por volta das 21h, e sai do restaurante eram 22h30, quando este estava a encher e com gente à espera na porta. Prestem bem atenção às horas porque isto é importante!
Estava a sentir-me tão bem depois de jantar me apetecia sair um pouco pela noite, e como amanhã tenho uma viagem de muitas horas pela frente, gosto de me deitar tarde para dormir no avião. Informei-me com o recepcionista do hotel que me deu a direcção da zona mais animada:
Chicas buenas?! En la Ciudad Vieja, calle Maciel. Aí tienes...
Fui obrigado a interromper o homem, eu queria era a zona dos bares. Essa zona ele não sabia onde era, mas foi perguntar a um colega, que também só conhecia a primeira, mas foi suficientemente amável para ligar a uma amiga que lá deu as indicações para eu chegar ao que queria. Mas, pelo sim pelo não, apontei as duas moradas.
Entrei num táxi e lá fui eu triunfante para as loucuras da noite na capital do Uruguai. Para os copos sozinho, a forma mais decadente de beber Sprite, sim porque eu, ainda por cima, não bebo álcool.
A certa altura o taxista pára o carro e diz que chegamos. Não podia ser, a rua estava deserta e os inúmeros bares vazios. As esplanadas vazias, tudo vazio. Eu nem queria acreditar: tinha corrido meia cidade e já tinham todos ido dormir!
Vendo o meu perplexo o pobre do taxista acordou-me do meu desmaio de desilusão.
Es muy temprano.
Basculhei o meu dicionário de español/português, isto porque a palavra não constava no meu dicionário mental de Portunhol, e lá descobri: era muito cedo. O homem explicou-me depois que aquela zona só começava a ter vida por volta da meia-noite.
E é aqui que entra o discurso sobre o raciocínio, porque se eu de facto fosse dotado de capacidade cognitivas vulgares, não precisavam de ser mais do que vulgares, teria feito um raciocínio simples: se ás 22h30 as pessoas estão a começar a jantar, então elas não podem estar nos bares, então só podem ir para os bares mais tarde. Um raciocínio ao alcance da gloriosa Lili Caneças, essa sim possuidora de invejáveis capacidades cognitivas.
Envergonhado e derrotado, mandei-o voltar para o hotel, mas, chegando aí, incapaz de encarar o recepcionista a quem, 15 minutos antes, eu havia pedido, com uma expressão sedenta de grandes festas, a informação, decidi, num último e dilacerante folgo de coragem e vontade, caminhar pelos quarteirões adjacentes ao Hotel, pelo menos para fazer algum tempo e digerir o jantar.
Passei dois quarteirões quando percebi que a minha epopeia nocturna estaria prestes a levar um revés. À minha frente estava um luminoso casino, com todas aquelas brilhantes máquinas de fazer dinheiro. Fazer dinheiro para o casino, claro. Como sempre pensa um jogador, que definitivamente não sou, com tanto azar, eu devia ter percebido que não era azar mas sim pura estupidez, eu aqui só posso ter sorte. Fui ainda inspirado por aquele velho ditado inventado por mim que diz “azar ao amor sorte ao jogo”, e como a Marta está em Portugal, desde que eu viajei para cá que em matéria de amor eu só posso não só ter mas também estar com azar. Por isso o desfecho lógico da minha noite no casino só poderia ser um: o que todos imaginam.
Assim estou a acabar a noite no quarto do hotel, a escrever este post e a esperar que as horas passem para eu ir dormir, pouco, nas esperança de que as onze horas de viagem amanhã passem sem eu sentir, pelo menos até a hospedeira me acordar de um sonho por certo maravilhoso para eu comer uma refeição por certo horrível. E isto na vida não há nada como ter certezas.
Para o fim deixo algumas fotografias de Montevideo, de dia claro, a noite eu estou a tentar esquecer.
É neste momento uma da manhã, e escusado será dizer que deve andar aqui pela cidade muita gente a divertir-se...






sábado, 15 de setembro de 2007

Colonia, Uruguai

Conta a história que por volta de 1938, no quarto de uma casa de Wapakonete, Ohio (EUA), uma senhora de apelido Gorsky gritou para o marido:
- Sexo oral, queres sexo oral? Vais ter sexo oral, no dia em que o miúdo do vizinho caminhar na lua!!!
Acontece que o miúdo do vizinho dava pelo nome de Neil Armstrong que, 30 anos mais tarde, 20 de Julho de 1969, viria a ser o primeiro homem a caminhar na lua. Se vem se lembram, até já lá estava outro à espera com uma câmara a filmar. Suprema sorte para o Sr. Gorsky, que tinha visto na declaração da sua esposa uma sentença sem retorno.
Com isto aprendemos, tal como a Sra. Gorsky aprendeu, que devemos ter muito cuidado com o que nos sai da boca, e ainda mais com o qu entra.
Não estive mais de 2 horas em Colónia. Foi o tempo de sair de um barco, comprar um bilhete de autocarro para Montevideo, e dar duas voltas por muito perto. Muito pouco tempo para eu dizer seja o que for sobre esta cidade erigida por Portugueses (e lá acabei por dizer alguma coisa).
Foi o tempo suficiente para eu aprender que também tenho de ter cuidado com o que digo, pois no dia em que disse só quando as arvores crescerem dentro de carros, eu ainda não tinha visitado Colonia do Uruguai. Nem sequer pensado em por os pés no Uruguai. E agora vou ter, tal como a Sra. Gorsky, de aguentar com as consequências.
Não tenho mesmo nada para dizer. Era mesmo só para postar as fotografias, essas sim, originais. E únicas, nem houve tempo para mais.




sexta-feira, 14 de setembro de 2007

O “Estreito de Magalhães” e a Patagónia

Para quem não conhece a história.
Em 1519 Fernão de Magalhães, portuguesíssimo homem nascido no norte, parte de Espanha com uma armada de 5 navios rumo ao Sul da América. O objectivo de Magalhães era encontrar um canal navegável, ou o fim do continente, por forma a que pudesse levar as naus espanholas por entre o sul da América, até ao que ele pensava serem terras espanholas, nas ilhas Molucas, até então reclamadas pelos Portugueses. Magalhães pretendia provar que esta rota seria mais rápida do que navegar o atlântico pela costa africana e dobrar o cabo da boa Esperança para chegar aos mesmos territórios, que depois percebeu, não pertenciam sequer a Espanha. Magalhães encontrou, de facto, um canal navegável que encurtava bastante a travessia entre o Atlântico e o Pacifico. acontece porém que esta rota era ainda mais longa para quem pretendia atingir as Molucas, como Magalhães provou tendo demorado mais de 9 meses, em vês das 4 semanas que havia planeado, a encontrar as primeiras ilhas desta rota no pacifico. Não vou contar o resto da história, que é muito interessante, pois não se justifica, mas, resumidamente, apesar da fantástica, e ainda hoje muito útil e usada descoberta, a verdade é que a expedição foi um verdadeiro fracasso, e dos 260 homens que nela embarcaram apenas pouco mais de 20 voltaram a solo Espanhol, podendo de novo comer uma boa paelha. Sorte a deles pois eu aqui na patagónia Argentina tenho de me contentar com riquíssimos lombos de bom salmão regados com molho de queijo Roquefort e acompanhado com puré de maçã quente e legumes salteados, comidos em restaurantes encantadores e ao preço do pão em Portugal.
Serve esta introdução para se perceber aquilo que eu agora quero explicar.
Em 1517 um homem investe tudo para convencer um rei a dar-lhe uma armada para ir descobrir algo que ele não conhece ao certo. Passa fome e privações e tem de lutar contra os seus próprios homens. Perde desertores e ultrapassa doenças e o frio, mas Magalhães, e a sua armada, atravessa um oceano e buscas por todas as entradas que vai encontrando no inóspito território. Longos tempos de insucesso entre rios, baias e canais inúteis. Um dia consegue finalmente atingir o seu objectivo: chegar ao pacifico, o restante foi tudo um fiasco.
Passaram quase 500 anos e hoje eu chego ao mesmo local onde Magalhães passou e penou. Passaram quase 500 anos. Hoje tenho televisão, internet, livros e um conhecimento que não existia à altura. Vi o mundo numa caixa preta ainda criança, viajei no mundo numa caixa branca quando já maior. Vi imagens do meu pais, do meu continente, do mundo. Vi imagens do ar e imagens do fundo do mar. Vi imagens do Deserto do Sahara e ví o gelo da antárctica. Vi a lua e o espaço, e vi a terra do espaço. Vi muita coisa e são ainda mais as coisas que estarão para ver.
Entrei num avião e viajei onze intermináveis horas, seguidas de duas mais. Entrei num barco enorme de ferro pesado movido por um potente motor. Quente e protegido, com toda a panóplia de instrumentos de navegação possíveis e seguramente utilizáveis, naveguei quatro dias, a que se seguiram mais quatro horas de carro e cheguei então ao Estreito de Magalhães, em plena Patagónia.
Olhei e vi algo que nunca tinha visto antes, medos que não se percebem pela televisão. Assustadoras planícies desertas que se perdem de vista. Areia negra e funda que desencalha timidamente num estreito de águas revoltas. Vento gelado muito difícil de suportar. Chuva neve e gelo, quase seguidos e duros. Altos picos de rocha negra coberta de neve branca. Uma paisagem moldada por um clima tão duro que torna o verde inexistente e a vegetação rasteira a única resistente. Não há arvores nem frondosos frutos. Os poucos animais que resistem cobrem-se de pêlo abundante. Nada aqui convida à vida. Nada parece simpático, apesar da simpatia que nutriu em mim este lugar. Tudo é agreste e parece tornar inexplicável que existam pessoas a viver para aqui. Tudo aqui parece inexplicável e sem razão. E eu fico assim, quase sem reacção perante o peso e carga da dramática e assustadora da paisagem.
500 anos antes de mim, houve um Português que moveu mundos para poder chegar até aqui. Já sabia que a terra é redonda mas estava completamente enganado quanto à sua dimensão. Não sabia o que ia encontrar. Imaginava e previa, com as ferramentas e conhecimentos que dispunha, o que teria pela frente. Cruzou a Patagónia, um dos territórios mais agrestes do mundo, e saiu, após muitos episódios e mortes, vitorioso. Consegui, num dos sítios mais inóspitos do mundo, chegar do atlântico ao pacifico.
Se as palavras não chegam, ficam as imagens.
Bem vindos à Patagónia.

(A parte histórica deste post contou com a preciosa ajuda do Gonçalo Cadilhe, verdadeiro especialista na história de Magalhães, que respondeu, pacientemente, às mesmas perguntas vezes sem conta, até eu decorar)









sexta-feira, 7 de setembro de 2007

A bordo do Porto Eden, para a Patagónia 3

Ola Paulo, que passa?
No se passa nada.
Hester, uma espanhola que também viaja no Porto Eden, vai para o sul fazer alpinismo. Eu estou na zona mais alta do cargueiro sentado a olhar o caminho. O ar é frio mas quase não corre vento. Não acontece nada e o barco corta a água gelada. Depois da tempestade a bonança. Afinal sempre é verdade, coisa de que eu nunca duvidei. Em todas as direcções altas montanhas com os cumes cobertos de neve. O silencio é reinante e não há um único sinal de vida humana. Não existem aldeias, vestígios ou pegadas. Uma paz inimaginável trespassa as montanhas e desce até à águas dos canais patagónicos, autênticos lagos de leite. À excepção de algum albatroz que passa, e do barco, nada se move.
A água escura, preta, e sem ondas, deixa-se cortar, o barco passa e tudo fica como antes.
Passada a tormenta do Golfo de Penas, parece que o passado continua aqui, por entre os muros rochosos cobertos de gelo.
Diz-se que a Patagónia é o fim do mundo, o ponto mais austral. Mas é um erro. Aqui tudo está como no principio. Não é o fim, é o inico do mundo.











quinta-feira, 6 de setembro de 2007

A bordo do Porto Eden, para a Patagónia 2

É oficial. Após ter superado a última e derradeira prova, que além de ser última é também a única, sou, oficialmente, um verdadeiro lobo do mar.
Passo a explicar.
Foi ainda em Puerto Montt, no briefing de segurança anterior ao inicio da travessia, que a tripulação foi avisando que iriam existir alguns momentos difíceis no decorrer da viagem, e que o paramédico a bordo estaria equipado com todas as injecções necessárias para ajudar os passageiros. Logo se percebeu que as dificuldades seriam os enjoos, e a mim qualquer enjoo me assustava menos que qualquer injecção, por isso devo de confessar que estava expectante. As dificuldades maiores eram uma entrada em oceano aberto e a passagem pelo mítico Golfo de Penas. Ao contrario do que se pode pensar, Golfo de Penas deve o seu nome a um marinheiro chamado Peñas, mas como em Inglês não existe o ñ acabou por ficar Golfo de Penas. E pena em Espanhol não tem um significado muito diferente do português. Por isso, após a passagem pelo mítico ponto, todos no navio comentavam que se acabaran las penas.
Voltando atrás, o navio começou a balançar muito logo na primeira noite, ao passar o Golfo Corcovado. Na realidade não dei por nada porque estava a dormir, mas na manhã seguinte algumas pessoas comentavam que o navio tinha abanado um pouco. Mas foi no final da tarde de ontem que o abanar passou de pouco. Eu nunca tinha estado em alto mar, o que é pena, lá está de novo a pena, pois tivesse eu estado em alto mar antes e já me teria sentido um super-homem à mais tempo.
Quando, no final da tarde, a ondulação começou a aumentar e o navio a balançar cada vez mais, já eu, todos os passageiros e tripulação, tinha tomado o comprimido para o enjoo. Acontece que quanto mais a ondulação aumentava mais eu sentia que o comprimido não me iria servir de nada. Estava completamente enganado. Com as ondas cada vez maiores, foi engraçado ver que o convés e todas as áreas comuns depressa se esvaziaram. Todos desapareceram para dentro dos camarotes, e só meia dúzia de destemidos, quase todos já tontos da bebida e que por isso nem sentiam o mar, se mantinham à vista. Outros vinham até ao convés apanhar ar fresco mas depressa voltavam para dentro, para o camarote ou para as casas de banho, de onde voltavam menos brancos e mais aliviados. Eu estava com dois problemas: por um lado queria manter-me no exterior a tentar olhar um ponto fixo no horizonte e apanhar o constante ar fresco na cara, truques simples e por demais conhecidos, isto porque estava a sentir-me menos bem, ponhamos as coisas nestes termos, e estava já capaz de vomitar qualquer coisita que tinha almoçado. O outro problema é que estava a ficar com cada vez mais sono, que para os menos experienciados nestas andanças é um dos efeitos secundários dos comprimidos para o enjoo. Estava eu no convés, cada vez mais branco e encharcado em suor apesar do frio que se fazia sentir, e sentia os dois problemas a aumentar: o enjoo e o sono. Estava mesmo perto de vomitar e fui a correr para dentro, ia em direcção às casa de banho quando pensei: É pá, estou cheio de sono, vou mas é dormir. E assim fiz. Estava tão cansado e desesperado que me deitei vestido, roupa para a neve e botas incluídas, por cima da roupa da cama. Não demorou muito até adormecer, a mim e ao enjoo.
Quando acordei tudo estava calmo no barco. Ouvi o chamamento para o jantar e desci, isto porque com ou sem enjoo eu não posso é com a fome. Como não como carne, tinha à minha espera um espectacular esparguete coberto por uma pasta amarela que eu não consegui perceber o que era, nem pelo sabor, mas que se parecia muito com algo que ficaria muito ligado a esse dia. Reparei também que faltaram muitos passageiros a esse jantar. Quando eu ia começar a jantar, fui informado que o navio estava agora mais calmo pois o capitão tinha voltado para trás e lançado a ancora, não tinha entrado no mar aberto pois não tinha condições para o fazer devido à alta ondulação e tinha por isso procurado refugio no canal. Ou seja: nós íamos voltar, ainda essa noite, a tentar entrar no mar aberto, e depois passaríamos pelo famoso Golfo de Penas. Os problemas ainda não tinham sequer começado e o meu esparguete com cobertura de vomitado já ia a meio, demasiado tarde para voltar atrás, e se ele ia voltar para fora então pelo menos eu não ficava com fome. Mas é nestas alturas difíceis que se pode ver quem são os homens de verdade, os verdadeiros lobos do mar.
Depois do jantar sentei-me na sala comum a ver um filme qualquer, que nem sei o nome, que passaram para nos entreter. Nesta altura já sentia o movimento do barco: estávamos a tentar de novo a entrada no mar!
Fiquei um pouco mais a ver o filme, mas o barco balançava cada vez mais, podia até, sentado no sofá, imaginar as altas ondas lá fora que, como eu tinha visto à tarde, levantavam a proa a uns bons metros do nível da água. Acaso me faltasse a imaginação, uma criança vomitou mesmo à minha frente, lembrando-me que era altura de eu repensar a minha noite. Por esta hora eu não estava a sentir enjoo nenhum, já tinha tomado um segundo comprimido, e estava decidido a ficar assim. Subi para ao quarto e deitei-me na cama a ouvir música.
O que aconteceu depois é fácil de explicar. Fiquei cerca de uma hora deitado a ouvir música e a sentir o barco a balançar como uma casca de noz na minha banheira quando era miúdo. Não sentia enjoo nenhum. Nos intervalos entre as faixas ouvia alguns gemidos e o barulho imenso de portas a bater e objectos a rolar. Ao fim de algum tempo acabei por adormecer. Acordei já de manhã. O mar estava calmo. A minha cabine é que se tinha transfigurado. Os armários estavam aberto e a roupa espalhada pelo chão. Garrafas de água caídas e tudo num verdadeiro reboliço. Convém agora explicar que durmo com tampões nos ouvidos.
Quando desci para o pequeno-almoço, com a jovialidade roliça de quem acaba de tomar um belo duche depois de quase dez horas a dormir, encontrei um refeitório meio deserto, com algumas pessoas cabisbaixas e ensonadas, cara de quem fez uma directa e bebeu demais na noite de ano novo. Foi então que me contaram. Já tínhamos passado o mar e o mítico Golfo de Penas. A noite havia sido um inferno interminável. O barco balançou mais que bunda em noite de carnaval. Praticamente todos os passageiros se sentiram mal, vomitaram e sofreram. O paramédico andou a baixar calças e enxergar bundas que nem criança em noite de carnaval no Rio, arruinando com o stock de injecções que ainda agora não sei bem para que servem. Ainda por cima teve de aplicar injecções a homens, o que não deve ser do mais agradável. Enquanto tudo isto se passava, ao que parece, apenas um passageiro dormia calmamente e não dava conta de nada: eu!
Por isso agora sou um lobo do mar, um verdadeiro herói do sono pesado. Um predestinado para as marés. Um homem sem lugar nem poiso. O mundo é a minha casa, o mar é o meu leito. As minhas armas são: uma cama confortável, dois tampões para os ouvidos Horopax, e uma caixa de comprimidos para o enjoo que dão sono até mais não.
Sinto-me pronto para tudo. Um destemido herói dos caminhos Patagónicos. Mas na próxima, pelo sim pelo não, acho que vou tentar fazer a viagem de avião.

Chile, 5 de Setembro de 2007

Para ti

Este post é só para ti. Para lembrar o beijo antes de mais uma viagem. O pedido de desculpas por te deixar sozinha...
É estando longe de tudo que se pensa em tudo.

A bordo do Porto Eden, para a Patagónia 1

No momento em que escrevo, estou a bordo do cargueiro Porto Edén, vou para Puerto Natales, na Patagónia Chilena. Ao contrario do habitual, vou colocar este post online o mais depressa possível.
Viajar de barco, viagens longas, é engraçado. O mais engraçado é que, por mais chateado ou aborrecido que se possa estar, não se pode ir a lado nenhum, leve a viagem dias ou meses. Esta vai custar-me 4 dias de mar. Mas pelo menos, e ao contrario dos aviões, sempre se pode ir até ao convés respirar o ar marinho ou espreitar o frio da noite. A menos que se vá em direcção à Patagónia no fim do Inverno e lá fora o vento se assemelhe a navalhas afiadas atiradas de todos os lados a trespassar o corpo já de sí enfraquecido pela chuva, neve e gelo. Este é o meu caso. Ainda assim não resisto e, a curtos intervalos de tempo, visto o meu casaco à prova de furacões e as minhas luvas de busca arqueológica na neve, enrolo o cachecol no pescoço, subo o fecho do casaco por cima deste, enterro um gorro até ao pescoço, cubro-o com o capucho do casaco, e aqui vou eu para dez triunfantes minutos no meio dos elementos. E sinto-me finalmente um homem. Mas só até que olho a meu lado uma mulher da tripulação apenas com um casaco e o ar juvenil de quarentas anos vividos no mar, tranquilamente a fumar um cigarro e a gozar o tempo quente do fim do inverno. É então que olho para o termómetro e vejo que o mercúrio dança um pouco acima dos 0 graus. Eu vou para a Patagónia, estou ainda a poucas horas de Puerto Montt, de onde o barco zarpou, e estou por certo a gozar as minhas últimas horas de temperatura tropical antes de chegar ao verdadeiro frio da Patagónia, o ponto continental mais a sul do globo, e mais perto da Antárctida. Isto vai continuar.....

(como é lógico escrevi este post no maior conforto, no pequeno refeitório do cargueiro, a beber um chá bem quente e a comer um chocolate)

Chile, 4 de Setembro de 2007