Para quem não conhece a história.
Em 1519 Fernão de Magalhães, portuguesíssimo homem nascido no norte, parte de Espanha com uma armada de 5 navios rumo ao Sul da América. O objectivo de Magalhães era encontrar um canal navegável, ou o fim do continente, por forma a que pudesse levar as naus espanholas por entre o sul da América, até ao que ele pensava serem terras espanholas, nas ilhas Molucas, até então reclamadas pelos Portugueses. Magalhães pretendia provar que esta rota seria mais rápida do que navegar o atlântico pela costa africana e dobrar o cabo da boa Esperança para chegar aos mesmos territórios, que depois percebeu, não pertenciam sequer a Espanha. Magalhães encontrou, de facto, um canal navegável que encurtava bastante a travessia entre o Atlântico e o Pacifico. acontece porém que esta rota era ainda mais longa para quem pretendia atingir as Molucas, como Magalhães provou tendo demorado mais de 9 meses, em vês das 4 semanas que havia planeado, a encontrar as primeiras ilhas desta rota no pacifico. Não vou contar o resto da história, que é muito interessante, pois não se justifica, mas, resumidamente, apesar da fantástica, e ainda hoje muito útil e usada descoberta, a verdade é que a expedição foi um verdadeiro fracasso, e dos 260 homens que nela embarcaram apenas pouco mais de 20 voltaram a solo Espanhol, podendo de novo comer uma boa paelha. Sorte a deles pois eu aqui na patagónia Argentina tenho de me contentar com riquíssimos lombos de bom salmão regados com molho de queijo Roquefort e acompanhado com puré de maçã quente e legumes salteados, comidos em restaurantes encantadores e ao preço do pão em Portugal.
Serve esta introdução para se perceber aquilo que eu agora quero explicar.
Em 1517 um homem investe tudo para convencer um rei a dar-lhe uma armada para ir descobrir algo que ele não conhece ao certo. Passa fome e privações e tem de lutar contra os seus próprios homens. Perde desertores e ultrapassa doenças e o frio, mas Magalhães, e a sua armada, atravessa um oceano e buscas por todas as entradas que vai encontrando no inóspito território. Longos tempos de insucesso entre rios, baias e canais inúteis. Um dia consegue finalmente atingir o seu objectivo: chegar ao pacifico, o restante foi tudo um fiasco.
Passaram quase 500 anos e hoje eu chego ao mesmo local onde Magalhães passou e penou. Passaram quase 500 anos. Hoje tenho televisão, internet, livros e um conhecimento que não existia à altura. Vi o mundo numa caixa preta ainda criança, viajei no mundo numa caixa branca quando já maior. Vi imagens do meu pais, do meu continente, do mundo. Vi imagens do ar e imagens do fundo do mar. Vi imagens do Deserto do Sahara e ví o gelo da antárctica. Vi a lua e o espaço, e vi a terra do espaço. Vi muita coisa e são ainda mais as coisas que estarão para ver.
Entrei num avião e viajei onze intermináveis horas, seguidas de duas mais. Entrei num barco enorme de ferro pesado movido por um potente motor. Quente e protegido, com toda a panóplia de instrumentos de navegação possíveis e seguramente utilizáveis, naveguei quatro dias, a que se seguiram mais quatro horas de carro e cheguei então ao Estreito de Magalhães, em plena Patagónia.
Olhei e vi algo que nunca tinha visto antes, medos que não se percebem pela televisão. Assustadoras planícies desertas que se perdem de vista. Areia negra e funda que desencalha timidamente num estreito de águas revoltas. Vento gelado muito difícil de suportar. Chuva neve e gelo, quase seguidos e duros. Altos picos de rocha negra coberta de neve branca. Uma paisagem moldada por um clima tão duro que torna o verde inexistente e a vegetação rasteira a única resistente. Não há arvores nem frondosos frutos. Os poucos animais que resistem cobrem-se de pêlo abundante. Nada aqui convida à vida. Nada parece simpático, apesar da simpatia que nutriu em mim este lugar. Tudo é agreste e parece tornar inexplicável que existam pessoas a viver para aqui. Tudo aqui parece inexplicável e sem razão. E eu fico assim, quase sem reacção perante o peso e carga da dramática e assustadora da paisagem.
500 anos antes de mim, houve um Português que moveu mundos para poder chegar até aqui. Já sabia que a terra é redonda mas estava completamente enganado quanto à sua dimensão. Não sabia o que ia encontrar. Imaginava e previa, com as ferramentas e conhecimentos que dispunha, o que teria pela frente. Cruzou a Patagónia, um dos territórios mais agrestes do mundo, e saiu, após muitos episódios e mortes, vitorioso. Consegui, num dos sítios mais inóspitos do mundo, chegar do atlântico ao pacifico.
Se as palavras não chegam, ficam as imagens.
Bem vindos à Patagónia.
(A parte histórica deste post contou com a preciosa ajuda do Gonçalo Cadilhe, verdadeiro especialista na história de Magalhães, que respondeu, pacientemente, às mesmas perguntas vezes sem conta, até eu decorar)
Em 1519 Fernão de Magalhães, portuguesíssimo homem nascido no norte, parte de Espanha com uma armada de 5 navios rumo ao Sul da América. O objectivo de Magalhães era encontrar um canal navegável, ou o fim do continente, por forma a que pudesse levar as naus espanholas por entre o sul da América, até ao que ele pensava serem terras espanholas, nas ilhas Molucas, até então reclamadas pelos Portugueses. Magalhães pretendia provar que esta rota seria mais rápida do que navegar o atlântico pela costa africana e dobrar o cabo da boa Esperança para chegar aos mesmos territórios, que depois percebeu, não pertenciam sequer a Espanha. Magalhães encontrou, de facto, um canal navegável que encurtava bastante a travessia entre o Atlântico e o Pacifico. acontece porém que esta rota era ainda mais longa para quem pretendia atingir as Molucas, como Magalhães provou tendo demorado mais de 9 meses, em vês das 4 semanas que havia planeado, a encontrar as primeiras ilhas desta rota no pacifico. Não vou contar o resto da história, que é muito interessante, pois não se justifica, mas, resumidamente, apesar da fantástica, e ainda hoje muito útil e usada descoberta, a verdade é que a expedição foi um verdadeiro fracasso, e dos 260 homens que nela embarcaram apenas pouco mais de 20 voltaram a solo Espanhol, podendo de novo comer uma boa paelha. Sorte a deles pois eu aqui na patagónia Argentina tenho de me contentar com riquíssimos lombos de bom salmão regados com molho de queijo Roquefort e acompanhado com puré de maçã quente e legumes salteados, comidos em restaurantes encantadores e ao preço do pão em Portugal.
Serve esta introdução para se perceber aquilo que eu agora quero explicar.
Em 1517 um homem investe tudo para convencer um rei a dar-lhe uma armada para ir descobrir algo que ele não conhece ao certo. Passa fome e privações e tem de lutar contra os seus próprios homens. Perde desertores e ultrapassa doenças e o frio, mas Magalhães, e a sua armada, atravessa um oceano e buscas por todas as entradas que vai encontrando no inóspito território. Longos tempos de insucesso entre rios, baias e canais inúteis. Um dia consegue finalmente atingir o seu objectivo: chegar ao pacifico, o restante foi tudo um fiasco.
Passaram quase 500 anos e hoje eu chego ao mesmo local onde Magalhães passou e penou. Passaram quase 500 anos. Hoje tenho televisão, internet, livros e um conhecimento que não existia à altura. Vi o mundo numa caixa preta ainda criança, viajei no mundo numa caixa branca quando já maior. Vi imagens do meu pais, do meu continente, do mundo. Vi imagens do ar e imagens do fundo do mar. Vi imagens do Deserto do Sahara e ví o gelo da antárctica. Vi a lua e o espaço, e vi a terra do espaço. Vi muita coisa e são ainda mais as coisas que estarão para ver.
Entrei num avião e viajei onze intermináveis horas, seguidas de duas mais. Entrei num barco enorme de ferro pesado movido por um potente motor. Quente e protegido, com toda a panóplia de instrumentos de navegação possíveis e seguramente utilizáveis, naveguei quatro dias, a que se seguiram mais quatro horas de carro e cheguei então ao Estreito de Magalhães, em plena Patagónia.
Olhei e vi algo que nunca tinha visto antes, medos que não se percebem pela televisão. Assustadoras planícies desertas que se perdem de vista. Areia negra e funda que desencalha timidamente num estreito de águas revoltas. Vento gelado muito difícil de suportar. Chuva neve e gelo, quase seguidos e duros. Altos picos de rocha negra coberta de neve branca. Uma paisagem moldada por um clima tão duro que torna o verde inexistente e a vegetação rasteira a única resistente. Não há arvores nem frondosos frutos. Os poucos animais que resistem cobrem-se de pêlo abundante. Nada aqui convida à vida. Nada parece simpático, apesar da simpatia que nutriu em mim este lugar. Tudo é agreste e parece tornar inexplicável que existam pessoas a viver para aqui. Tudo aqui parece inexplicável e sem razão. E eu fico assim, quase sem reacção perante o peso e carga da dramática e assustadora da paisagem.
500 anos antes de mim, houve um Português que moveu mundos para poder chegar até aqui. Já sabia que a terra é redonda mas estava completamente enganado quanto à sua dimensão. Não sabia o que ia encontrar. Imaginava e previa, com as ferramentas e conhecimentos que dispunha, o que teria pela frente. Cruzou a Patagónia, um dos territórios mais agrestes do mundo, e saiu, após muitos episódios e mortes, vitorioso. Consegui, num dos sítios mais inóspitos do mundo, chegar do atlântico ao pacifico.
Se as palavras não chegam, ficam as imagens.
Bem vindos à Patagónia.
(A parte histórica deste post contou com a preciosa ajuda do Gonçalo Cadilhe, verdadeiro especialista na história de Magalhães, que respondeu, pacientemente, às mesmas perguntas vezes sem conta, até eu decorar)
1 comentário:
Grande Magalhães!
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