sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Montevideo, Uruguai: o meu "até já" América Latina


Acho a ignorância, carência de conhecimento, um defeito por demais evidente e decadente para com os indivíduos que com ela, a ignorância, trilham estreita relação. Mas penso que ainda mais impeditivo que a ignorância é a ausência no individuo de mecanismos cognitivos que, funcionando por relação e co-relação psico-física, originem o raciocínio. Vejo na falta de raciocínio a mais incapacitante deficiência passível de limitar um ser humano.
E este lógico raciocínio leva-me até mim. A minha história começa na inicio desta viagem, nas primeiras horas da minha nobre carcaça por terras latino-americanas.
Após a viagem de barco entre Puerto Montt e Puerto Natales, viagem durante a qual nada de relevante para esta narrativa aconteceu, tive o meu primeiro jantar sozinho na pequena cidade onde o barco aportou. Lembro-me que ao chegar ao Hotel, mochila às costas, reparei num restaurante a apenas vinte passos do mesmo, e como sou particularmente rápido a associar estes dois primordiais factores, comida e preguiça, tracei logo o meu destino para a nocturna refeição . Sai do hotel passavam já das nove da noite, preocupado com a hora e com, numa cidade tão pacata e pequena, não ter já o restaurante aberto para me servir. Quando cheguei ao restaurante qual não é o meu espanto quando percebo que o mesmo está completamente vazio. De pé, dois funcionários de bandeja na mão olham para mim com uma cara algures entre o este é o gajo que nos vai estragar a noite e o este é o gajo a quem vamos estragar a noite! Pelo sim pelo não, como não gosto de estragar a noite a ninguém, fiz de conta que andava à procura de uma lavandaria e, sem sequer abrir a boca, girei sobre os calcanhares de maneira que deixei borracha no chão e desandei dali para fora. Segui pela rua e o mesmo cenário repetia-se: restaurantes vazios, ninguém, nem uma alma.
Já estava a ficar preocupado, não por dar trabalho aos pobres funcionários que estavam naquela noite a curar problemas da coluna, mas sim porque não gosto de restaurantes vazios: se não está lá ninguém é, seguramente, porque a comida não presta. Andava eu nisto quando chego a um restaurante onde vejo, através do vidro, duas mesas ocupadas: uma com duas pessoas e outra com uma apenas. Escusado será dizer que nem olhei para ao menu antes de entrar: sentei-me e escolhi em dois tempos, comi e voltei para o hotel a pensar no preocupante despovoamento daquela cidade.
De Puerto Natales fui para Punta Arenas, também no Chile.
Em Punta Arenas o cenário repetiu-se: saía para jantar e os restaurantes vazios. No entanto, e com o passar dos dias, comecei a perceber uma coisa: na hora em que eu já estava a sair eles começavam a encher. E então comecei a formular, pelos mecanismos que já expliquei, aquilo que se pode chamar de raciocínio. Mas este raciocínio, demorou algum tempo a completar. Ficou completo em Rio Gallegos, na Argentina, vários dias depois. Nessa noite, cheguei ao hotel muito tarde depois de algumas horas de viagem pelos desertos da Patagónia Argentina. Quando saí do hotel para jantar passavam já das 22h. Nessa noite, finalmente, encontrei um restaurante com uma boa massa humana (com uma piada destas eu podia acabar o post aqui e sentir-me feliz). Entrei encantado, ainda a pensar que por ali se devia comer melhor que nos restaurantes anteriores. Foi só quando sai do restaurante, passavam já das 23h30, que reparei que ele estava agora cheio, e havia inclusive fila para entrar. Passava das 23h30!!! Eu nunca tinha visto tal. Mas então consegui, a muito custo, completar o meu raciocínio: os restaurantes estavam vazios quando era cedo porque as pessoas jantam tarde. Era essa a explicação. Se as pessoas só começam a jantar por volta das 22h, é lógico que os restaurantes às 21h estão vazios. É lógico mas foi muito difícil de alcançar. No final das contas, muito semelhante ao que acontece em Espanha, e eu estou na América Latina.
Quem chegou até aqui, e leu o titulo do post, já se deve estar a perguntar o que raio tem tudo isto a ver com Montevideo. E a resposta é: tudo!
Estou em Montevideo, cheguei ontem de Buenos Aires, e esta é a minha última noite por estas paragens, amanha de manha vou entrar no avião que me vai levar de novo a casa (por acaso vai levar-me para Madrid e depois um outro leva-me para o Porto, quem me vai levar para casa vai ser a Marta, com toda a certeza).
Ontem cheguei à cidade demasiado tarde. Vim directo para o Hotel e pedi para que me servissem uma salada no quarto, o que eu queria mesmo era dormir. Mas hoje, tive um dia particularmente feliz. Montevideo é uma cidade agradável e a temperatura aqui é bem melhor do que na Patagónia, até dá para andar na rua sem congelar o nariz.
Fui jantar por volta das 21h, e sai do restaurante eram 22h30, quando este estava a encher e com gente à espera na porta. Prestem bem atenção às horas porque isto é importante!
Estava a sentir-me tão bem depois de jantar me apetecia sair um pouco pela noite, e como amanhã tenho uma viagem de muitas horas pela frente, gosto de me deitar tarde para dormir no avião. Informei-me com o recepcionista do hotel que me deu a direcção da zona mais animada:
Chicas buenas?! En la Ciudad Vieja, calle Maciel. Aí tienes...
Fui obrigado a interromper o homem, eu queria era a zona dos bares. Essa zona ele não sabia onde era, mas foi perguntar a um colega, que também só conhecia a primeira, mas foi suficientemente amável para ligar a uma amiga que lá deu as indicações para eu chegar ao que queria. Mas, pelo sim pelo não, apontei as duas moradas.
Entrei num táxi e lá fui eu triunfante para as loucuras da noite na capital do Uruguai. Para os copos sozinho, a forma mais decadente de beber Sprite, sim porque eu, ainda por cima, não bebo álcool.
A certa altura o taxista pára o carro e diz que chegamos. Não podia ser, a rua estava deserta e os inúmeros bares vazios. As esplanadas vazias, tudo vazio. Eu nem queria acreditar: tinha corrido meia cidade e já tinham todos ido dormir!
Vendo o meu perplexo o pobre do taxista acordou-me do meu desmaio de desilusão.
Es muy temprano.
Basculhei o meu dicionário de español/português, isto porque a palavra não constava no meu dicionário mental de Portunhol, e lá descobri: era muito cedo. O homem explicou-me depois que aquela zona só começava a ter vida por volta da meia-noite.
E é aqui que entra o discurso sobre o raciocínio, porque se eu de facto fosse dotado de capacidade cognitivas vulgares, não precisavam de ser mais do que vulgares, teria feito um raciocínio simples: se ás 22h30 as pessoas estão a começar a jantar, então elas não podem estar nos bares, então só podem ir para os bares mais tarde. Um raciocínio ao alcance da gloriosa Lili Caneças, essa sim possuidora de invejáveis capacidades cognitivas.
Envergonhado e derrotado, mandei-o voltar para o hotel, mas, chegando aí, incapaz de encarar o recepcionista a quem, 15 minutos antes, eu havia pedido, com uma expressão sedenta de grandes festas, a informação, decidi, num último e dilacerante folgo de coragem e vontade, caminhar pelos quarteirões adjacentes ao Hotel, pelo menos para fazer algum tempo e digerir o jantar.
Passei dois quarteirões quando percebi que a minha epopeia nocturna estaria prestes a levar um revés. À minha frente estava um luminoso casino, com todas aquelas brilhantes máquinas de fazer dinheiro. Fazer dinheiro para o casino, claro. Como sempre pensa um jogador, que definitivamente não sou, com tanto azar, eu devia ter percebido que não era azar mas sim pura estupidez, eu aqui só posso ter sorte. Fui ainda inspirado por aquele velho ditado inventado por mim que diz “azar ao amor sorte ao jogo”, e como a Marta está em Portugal, desde que eu viajei para cá que em matéria de amor eu só posso não só ter mas também estar com azar. Por isso o desfecho lógico da minha noite no casino só poderia ser um: o que todos imaginam.
Assim estou a acabar a noite no quarto do hotel, a escrever este post e a esperar que as horas passem para eu ir dormir, pouco, nas esperança de que as onze horas de viagem amanhã passem sem eu sentir, pelo menos até a hospedeira me acordar de um sonho por certo maravilhoso para eu comer uma refeição por certo horrível. E isto na vida não há nada como ter certezas.
Para o fim deixo algumas fotografias de Montevideo, de dia claro, a noite eu estou a tentar esquecer.
É neste momento uma da manhã, e escusado será dizer que deve andar aqui pela cidade muita gente a divertir-se...






2 comentários:

Unknown disse...

Bem, conseguiste "agarrar-me" ao teu post. Estou desejoso por reiniciar a leitura por aqui abaixo (em ordem cronológica inversa à tua escrita, mas pronto...)
P.S. E afinal, posso concluir que não chegaste a utilizar o papel com a 2.ª morada? ;)

Paulo Silva Couto disse...

Bem, usei o papel com a segunda morada mas por mero interesse jornalistico. Passei por lá, pelas ruas. Só para ficar com uma ideia, para poder contar claro. Mas acho que também deviam estar a comer ainda, ou eram elas a sobremesa....!?