sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

A viagem e os headphones

A vida é diferente quando se ouvem os Beatles. Ou o Bob Dylan. Os Rolling Stones ou o Jorge Palma. O Tom Waits e a Jollie Holland. Especialmente esta última. Tal como num filme, a banda sonora consegue mudar por completo o sentimento do momento. Para quem gosta, é difícil dissociar o Perfect Day do Lou Reed com a overdose do Trainspotting. O Trainspotting seria um filme completamente diferente sem banda sonora. O Fabuloso Destino de Amélie não teria sido amado por ninguém sem a música do Yann Tiersen. No Ondas de paixão do Lars Von Trier a música funciona, também, como um intervalo, um momento em que se pára a vida para olhá-la como que através de uma janela, uma pausa no relógio que faz o tempo girar. Curiosamente, só o vento não para nunca. 

Sinto o mundo como um gira discos que nunca para. Gira sem parar. Agora dia depois noite e depois dia. Sempre a girar, uma música constante, muda de faixa mas a música não pára nunca.

Ás vezes paro para ouvir as músicas que não ouço faz muito tempo. Músicas de outros tempos. Sento-me e chega o que já lá vai, cheiros de um dia, frio e calor sem sair de onde estou ou desligar a ventoinha. É uma viagem no tempo. Fechar os olhos e escutar o grito do David Bowie, sentir que tenho menos 15 anos e que tudo é novo e estridente. Mudar o disco e ouvir o trompete de Miles Davis no Tributo a Jack Johnson. Saber que tudo aconteceu antes de nascer, não ter nunca conhecido Jack Johnson mas sentir que o trompete soca violentamente, como um herói, um adversário presente na luta. 




Once upon a time you dressed so fine

You threw the bums a dime in your prime, didn't you?

People'd call, say, "Beware doll, you're bound to fall"

You thought they were all kiddin' you

You used to laugh about

Everybody that was hangin' out

Now you don't talk so loud

Now you don't seem so proud

About having to be scrounging for your next meal.

How does it feel?


À poucas semanas vi O tigre e a neve do Roberto Benigni. Não é um filme extraordinário, bem longe disso, mas é possível não tremer num filme que começa num sonho? Um sonho de um belo casamento numa ruína e com a voz doce de Tom Waits a cantar You can never old back springYou can never old back spring! Não é a letra, é a música, a música. Ouvimos um soneto que nos faz chorar cinco minutos mas que nunca mais lembramos, ou lembramos pouco. Ouvimos uma música que nos apaixona, sem letra e sentido nas palavras, mas uma melodia que faz chorar rir ou simplesmente vibrar. Um melodia que não sabemos transpor para uma pauta, uma melodia que por vezes nem cantar se consegue, mas que se repete por dias na cabeça, no ouvido interno que por certo é para isso que serve. Trinta anos depois ouve-se o primeiro acorde apenas e logo desatemos a cantar toda a música. 


Solo de uma guitarra….

Entra uma bateria, um baixo…

A vóz rouca com uma segunda guitarra

Yeah, you got satin shoes 

Yeah, you got plastic boots 

Y'all got cocaine eyes 

Yeah, you got speed-freak jive 

Can't you hear me knockin' on your window 

Can't you hear me knockin' on your door 

Can't you hear me knockin' down your dirty street, yeah

Help me baby, ain't no stranger 

Help me baby, ain't no stranger 

Help me baby, ain't no stranger



Rolling Stones, Can’t you hear me knoking. É a guitarra que não me sai a cabeça. O louco ritmo que se repete por toda a música. Um rock and roll puro que de repente se transforma numa espécie de  Jazz que se prolonga por mais de 7 minutos, sete minutos que se repetem, lá está, no ouvido interno. E depois o Saxofone…

Lembro-me de alguém que um dia me disse que o o jazz é um conjunto de músicos num processo masturbatório com instrumentos: cada um por sí e consigo. Foi um cometário jocoso e depreciativo, acho que a ideia não me agradou, mas quem é que não consegue encontrar alguma nuance de prazer num acto tão natural ao ser humano? O jazz não é isso, obviamente, numa metáfora sexual acho que seria mais uma orgia longa e em climax constante. Porque se deixam envolver, se deixam correr.




Quando eu morrer queria ser enterrado com um ipod, just in case... Acho que nessa altura, daqui por muitas décadas, a capacidade será de muito terabytes. Podem gravar-me discografias completas, aposto que vai dar. Para além dos já citados em cima incluam, por favor: Ali Farka Toure, Al Green, Ana Moura, António Pinho Vargas, Antony and the Johnsons, Astor Piazolla, Baden Powell, Beck, Bernardo Sasseti, Bill Frisel, Beth Gibbons, Carlos Bica, Charlie Parker, Chick Corea, Celso Fonseca, Charlie Chaplin, Chico Buarque, Daniel Lanois, Django Reinhardt, Don Byron, Esbjorn Svensson Trio, Franz Schubert. Mulato Astaqé, Fatboy Slim, Gabriel o Pensador, Gaiteiros de Lisboa, Iva Bittova,Jack Johnson, João Gilberto, John Coltrane, John Legend, Josh Rosue, Lhasa, Madredeus, Mão Morta, Marcos Valle, Mário Laginha, Mark Lanegan, Mozart, Nina Simone, PJ Harvey, Portishead, Radiohead, Rodrigo Leão, Schumann, Sérgio Godinho, Sigur Rós, The Animals, The Cinematic Orchestra, The Divine Comedy, Tom Jobim, Tom Zé, Wim Mertens, Zé Miguel Wisnik e, pelo amor de deus, não se esqueçam do terceiro movimento da sonata nº 2 para piano em si bemol menor, op. 35 de Frédéric François Chopin, a marcha fúnebre, para o caso de eu querer dar um ar mais lúgubre ao meu caixão. 



É claro que me esqueci de muitos..., podem passar músicas à vontade, eu não me importo.

Porque ouvir também pode ser viajar... 



You can never hold back spring

You can be sure that I will never

Stop believing

The blushing rose will climb

Spring ahead or fall behind

Winter dreams the same dream

Every time


You can never hold back spring

Even though you've lost your way

The world keeps dreaming of spring



So close your eyes

Open you heart

To one who's dreaming of you

You can never hold back spring

Baby


Remember everything that spring

Can bring





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